Camila Gil Marquez Bresolin [1]
Os Tribunais brasileiros têm oscilado bastante em seus entendimentos quando o assunto é o reconhecimento de uniões paralelas, ou seja, as famílias simultâneas.
Trata-se daquela hipótese em que a pessoa desenvolve, ao longo da sua vida, mais de uma união duradoura. Por vezes, a pessoa “amorosa” mantém um casamento aparentemente estável e feliz, e, ao mesmo tempo, uma outra família, igualmente estável e feliz. Não raro, quando do falecimento destas pessoas (estatisticamente, os homens), suas parceiras de vida (geralmente, as viúvas) deparam-se com a infeliz descoberta nunca antes imaginada: “ele tinha outra?!”, e assim por diante.
O objetivo do texto não é, de forma alguma, dizer que os homens são infiéis, tampouco que as mulheres são enganadas. Apenas, deve-se ter em conta que a realidade brasileira, até mesmo por questões culturais, mostra a ocorrência desta situação fática, com muito maior frequência. Inclusive, porque algumas pessoas parecem ter o talento para isso. Passam a vida demonstrando condutas exemplares para ambas as famílias, e uma família não faz ideia de que a outra exista. A verdade aparece somente quando do falecimento, e, consequente, a busca pelas questões sucessórias (herança, meação, pensão por morte, entre outros). A constatação da infidelidade ou da falta de lealdade daquele que sempre foi exemplar é frustrante, sem dúvida, mas além disso, pode ser motivo da ocorrência de grandes injustiças.
E há os que não fazem segredo da vida dupla. Nestes casos, geralmente uma das pessoas faz a chamada “vista grossa”, deixando de observar o sinais da traição, e a outra pessoa, na maioria dos casos, aquela que não é a casada, sabe da vida matrimonial anterior e paralela do seu amado, mas acredita que o casamento em que vive seja um casamento de aparência, e que um dia eles poderão viver o seu grande amor, sem impedimentos.
O ordenamento jurídico brasileiro prevê a vedação para o duplo casamento, ou seja, quem já é casado, não pode se casar. Quem é casado no papel, mas vive em separação fática (cada um seguiu a sua vida, mas sem formalizar) pode vir a caracterizar união estável com alguém. Portanto, se há a proibição de realizar dois casamentos ao mesmo tempo, não há a vedação para que estabeleçam outras formas de constituição familiares.
A relutância dos Tribunais brasileiros é no sentido de evitar o favorecimento do reconhecimento de duplas uniões que aconteceram ao mesmo tempo para evitar a caracterização da bigamia. Mas calma lá … no mundo dos fatos, pode ocorrer um casamento e uma união estável, podem acontecer dois núcleos familiares e esta constatação tem feito os entendimentos mudarem.
A riqueza dos fatos, quando do falecimento daquele “amoroso”, mostra duas histórias de vida ricas em detalhes de amor, de sintonia, de compartilhamento de projetos (inclusive, com filhos em cada um dos relacionamentos). Numa situação assim, além do sentimento de perda do seu ente querido, as famílias deparam-se com a dificuldade de provar o amor construído ao longo dos anos e dos fatos.
Em suma, ao favorecer a família matrimonial, em detrimento da família constituída por uma união estável informal, pode-se provocar a grande injustiça de se privilegiar o que está no papel, em prejuízo da riqueza daquilo que foi construído no mundo dos fatos. Ou ainda, na hipótese de duas uniões estáveis informais e paralelas, conferir proteção à família formada antes pode ocasionar o favorecimento do critério cronológico em detrimento do critério fático e afetivo.
Muito embora o duplo reconhecimento possivelmente venha a gerar um grande desconforto e sentimento de injustiça para alguns, a desproteção por parte do Estado ao que foi construído ao longo do tempo, no mundo dos fatos, é também injusto.
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